O desamor nos tempos do Corona e os portões do CTG

O Amor nos Tempos do Cólera, livro genial de Gabriel Garcia Márquez, que tornou-se filme pelos idos de 2007. No entanto, o que esse título me traz à lembrança, em verdade, é um desfile do Galo da Madrugada, mais propriamente, no fim da tarde, com o bloco Nóis Sofre, mas Nóis Goza, que concentrava ali , em frente da saudosa Livro 7, do livreiro Tarcísio. Creio que era a década de 1990. Mas é nítida a lembrança de uma turma de professores e professoras, todos sindicalistas, dentre eles o amigo Dimas, de Matemática, aguerrido defensor dos direitos dos trabalhadores. Todos felizes e devidamente embriagados, desafiávamos o “vibrião do cólera”, virando copos de cerveja e rindo, rindo muito, a debochar da doença. Naquele ano o Galo já havia batido a incrível marca de um milhão de foliões, pelas ruas e pontes do Recife. Porém, ninguém levava a sério o vibrião!

O tempo passou. Adentramos o terceiro milênio. E cá estamos, todos coroas,  acima dos sessenta anos, a enfrentar a pandemia do corona. No entanto, dessa vez ninguém debocha dessa doença e nos entocamos em nossas casas, pois, não é à-toa que corona quer dizer coroa e, somos, os mais velhos e as mais velhas, os coroas, o tal grupo predileto desse vírus apocalíptico.

Eu, que já vivia abarrancado nesse Arruadinho, continuo aqui, a guerrear contra as pás dos moinhos de vento, quixotesca e renitentemente, brandindo a espada, ou seja, digitando meus reclamos, contra esse desamor que empesteou de há muito a nossa civilização, dita cristã. Nossa maior praga é mesmo a indiferença, a frieza e a  nadificação do outro, de suas dores, de suas agruras, num egocentrismo que beira o egotismo.

Tudo vinha andando, entre trancos e barrancos, até que surgiu o corona vírus. Como aquele anjo destruidor dos tempos bíblicos, a Covid-19 atravessa o planeta, com sua face encovada e fria, deixando um rastro de dor e desespero.

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Mas, voltemos ao meu refúgio, essa caverna de onde escuto os uivos do vírus, feito modernos pterodátilos, a rondar nossas cabeças, coroadas de fios encanecidos.

Aqui, a coisa continua difícil. E, pela primeira vez, vou reclamar da reitoria recém empossada. Tenho medo de que o vírus bolsolavista tenha infectado a nova gestão. E, digo isso, por ter recebido uma resposta, no mínimo sem lógica, para o pedido de abertura dos portões do CTG. (O não uso da lógica é próprio dos bolsolavistas, que estão no poder).

Vejamos:

Para quem não conhece a UFPE, o CTG é o prédio antigo das Engenharias, hoje conhecido por Centro de Tecnologia e Geociências. Aquele mesmo prédio que interceptou a rua do Bom Gosto. É nessa rua, hoje chamada de João Francisco Lisboa, em que está erguido o casario do Arruado do Engenho Velho. O arquiteto italiano que planejou o campus interceptou a nossa rua, talvez por não conhecer a história dos engenhos de Pernambuco, e deixou parte da parentela dos arruadenses do lado de fora, erguendo entre eles, enormes portões, agora fechados a cadeado.

Pedimos a uma pessoa amiga do reitor, que intercedesse por nós. Em resposta, a assessoria alegou a falta de vigilantes (por conta da quarentena do corona vírus), para manter fechados os portões do CTG. Como solução, deixaria abertos os portões do CEFCH, Centro de Filosofia e Ciências Humanas e os portões do curso de Farmácia. Os dois estão a quase 1 kilometro da comunidade, expondo os moradores e moradoras ao sol e à chuva, para chegar até eles. Além dessas duas passagens, há a entrada principal, por onde trafegam carros e motos de todos os tamanhos.

Eis a falta de lógica da justificativa da nova gestão:

Fechados os portões do CTG, nada impede que meliantes transitem de carros e motos, pelo prédio que se quer resguardar. Todos entram e saem do campus, sem nenhuma dificuldade, apesar dos portões fechados do CTG.

A única razão que encontramos para tal fechamento é a indiferença para com a comunidade. Depois dos portões do CTG está o terminal dos ônibus, o acesso às famílias dos moradores, a padaria, a feira, o mercadinho. E o simples fechamento, por falta de vigilantes, como alegou a assessoria do reitor, não garante a segurança do prédio da Engenharia. E estou fazendo uma verdadeira engenharia para entender a lógica do fato. Ou seja, se todos entram no campus, como um mero portão vai dar mais segurança ao CTG? Ademais, com a falta de vigilantes, devido ao isolamento do corona vírus, mais insegura fica a parte que dá para o estacionamento, sendo inútil fechar os portões, se dezenas de carros e motos e bicicletas e tudo o mais que se mova, a pé ou a cavalo, adentram a esse e a outros prédios do campus.

Espero não ter me enganado com a ascensão de um educador ao posto de Reitor da UFPE. Minha esperança é de que, tendo ele lido Paulo Freire, cujo ideário pedagógico ainda nos ensina a agir amorosamente, para com todos e todas, não tenha se esfriado o amor no coração do novo reitor. Afinal, nesses tempos de corona, o desamor vai ajudando o vírus a eliminar nossos entes queridos, principalmente, os mais velhos, como se tivesse, esse vírus, a intenção de apagar a memória das gerações passadas. E, nós da comunidade do Arruado do Engenho Velho da Várzea, encravada no campus desta UFPE, temos a esperança de que o reitor eleito e empossado, seja compassivo e amoroso, como é de costume num educador freireano e abra os portões do CTG.

É isso…

 

 

 

 

 

Um comentário

  1. Espero que a amorosidade – invocada por Lula – que atualize em ato por parte desta gestão para que se alcance um pouco mais de justiça às necessidades básicas do povo do Arruadinho. Força à todxs.

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