Tentativa de matricídio no campus da UFPE

Matricida todos sabem o que significa. É o que mata a própria mãe. Não é o caso em questão, mas, imaginem se os meus doze leitores tivessem a oportunidade de rever o seu primeiro berço, aquele, aconchegante e quente, em que o olhar amoroso de vossas mães, vos olhava com ternura e zelo. Imaginaram? Agora pensem em alguém que pegasse de uma marreta e cheio de fúria, destruísse seu próprio berço. Não chega a ser um matricídio, pois não há o cadáver da mãe… mas, quem odeia o próprio berço onde nasceu é capaz de tal monstruosidade: o matricídio.

Pois então… dizem que o coração da UFPE bate no lugar em que foi a sede do Engenho do Meio (antigo, São Carlos). E, em verdade, foi do coração de um homem desse Engenho do Meio, um intelectual e político que surgiu o sonho de trazer para a Várzea, a antiga Universidade do Recife. Um coração cheio de sonho e vontade política. Tanto que fez, esse homem público, que trouxe para cá, essa que é, hoje, uma das dez melhores universidades federais do Brasil.

Seu nome: Joaquim Amazonas.

Aqui, nesse caminho quase quatrocentão da Várzea, ele foi menino. Cresceu, se fez advogado, professor e político  e nos legou a nossa querida UFPE.  A casa em que viveu foi demolida (ou desabou) no ano de 1946. Seria, pelo projeto inicial, do italiano Mario Russo, a moradia oficial dos reitores. Não deu tempo. Desabou!

E quem foi o primeiro reitor da UFPE?

Ele mesmo, o Dr. Joaquim Amazonas. Amigo e compadre dos moradores do Arruadinho. Vizinho ilustre, mas generoso. Tratava a todos com lhaneza e fidalguia. Desde o mais humilde operário até a mais alta autoridade do governo. Imenso era o coração desse homem, cujo sonho foi realizado com ardor de apaixonado. Para isso, repassou o loteamento Residencial Engenho do Meio, de sua propriedade, para a construção desta universidade, sem molestar nenhum dos antigos moradores. Durante doze anos de reitorado, houve paz e harmonia nesse velho caminho. Contam os mais velhos que ele sempre dizia a um ou outro vizinho:

Pode puxar sua cerca um pouco pra cá, compadre!

Eram outros tempos! Tempos românticos! A nostalgia salta aos olhos úmidos das meninas da foto acima, Dona Inez e dona Elisabete, nonagenárias, que se emocionam quando lembram do Dr. Joaquim.

Pois é… aqui nasceu a ideia de uma universidade a oeste do Recife. Bem nas terras da sede do Engenho do Meio, depois Usina Meio da Várzea. Nasceu do coração de um homem de verdade. O berço, então, é aqui.

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Contudo, vejam a foto acima. As manilhas apontadas para o Arruado, como canhões preparados para um bombardeio. Querem destruir a terra-mãe, o lugar de memória, o sítio arqueológico em que nasceu a UFPE. Por isso, eu usei a hipérbole do título. É deveras uma tentativa de matricídio. Matricídio que começou em 1946, quando, por incúria, desabou o velho casarão que pertencera ao Fernandes Vieira, por volta de 1645 e que, no século XX, passou a pertencer à família Amazonas.

Depois veio a construção desse prédio de arqueologia, pasmem, a poucos metros das ruínas da chaminé da antiga usina. Ainda se pode ver a base do bueiro (chaminé), em frente ao tal prédio. Lamentável, essa construção. Como podem os arqueólogos concordarem com o soerguimento de um prédio em pleno sítio arqueológico?

Matricídio. Ou tentativa de…

Há também o “lixão provisório”, que já se perpetua, a construção dos prédios de Engenharia de Produção e Petróleo e Gás e, finalmente, a construção de um monstrengo chamado Estação de Tratamento de Esgoto, quase em frente ao monumento a Fernandes Vieira. Foi quando a comunidade reagiu. Queriam atravessar o Arruado com manilhas a uma profundidade de 4m, escavando o caminho de 373 anos, que mantém seu traçado intacto, segundo os estudiosos de arqueologia da paisagem: os mestres, Levy Pereira (UnB) e Luiz Severino da Silva Jr. (Univasf)

É por essas e outras que a comunidade está se insurgindo contra a filha desalmada. Nascida nessa terra-mãe, a UFPE nega sua origem e tenta destruir seu berço, como um dia fez ou deixou fazer com o velho casarão dos Amazonas.

Chegamos ao nosso limite! Os remanescentes dos trabalhadores da Usina Meio da Várzea, os que ajudaram a erguer o CTG, o CFICH, o HC, agora lutam pela não destruição do Caminho em que suas casas estão erguidas. Estamos preparados para o embate, seja em que front ele se der. Por falar em front, por aqui passaram os combatentes de Guararapes, em direção do Arraial Novo do Bom Jesus, hoje um pequeno sítio histórico, encravado numa praça na Avenida do Forte. Talvez por isso, os militares sempre vinham saudar, no dia 19 de abril, o monumento a Fernandes Vieira, considerado como o fundador do exército genuinamente brasileiro. Bem aqui, ao lado do Arruadinho, eles se perfilavam diante daquela estátua, hoje meio esquecida. Será que os militares gostariam de saber dessas escavações? Será que aprovariam a destruição do caminho dos combatentes de Guararapes? Sei lá! Deixemos isso de lado.

O que não podemos deixar acontecer é a destruição do caminho, com esse casario centenário e essas árvores altaneiras e frondosas, cujos alicerces e raízes não suportariam essas escavações. A quem recorrer para evitarmos esse matricídio?

Primeiro, à gestão da UFPE. Depois, ao MPF, ao IPHAN, ao Exército… só Deus sabe até onde se pode ir numa situação extrema como essa.

O monstrengo

 

 

 

 

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